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 A dislexia é abrangente e tem raízes pouco conhecidas, mas pode ser contornada caso receba cedo a devida atenção da família e da escola.
   Nascer e crescer implica uma série enorme de desafios a ser superados pelas crianças. Os pais, por sua vez, ficam preocupados e ansiosos para ver os filhos andando e falando. Não é sem razão, pois esses marcos fundamentais funcionam como indicadores de um bom desenvolvimento. Posteriormente surgirá uma nova aprendizagem, que dará acesso a outra forma de linguagem, cujo domínio depende da escolarização e da adaptação social, cognitiva e emocional. Esse é o impacto de uma habilidade que parece tão simples: aprender a ler e escrever.
  O processo de alfabetização bem-sucedido funciona como uma espécie de “certificado” de competência para um bom desempenho escolar. Ler e escrever representa a porta de acesso à possibilidade de uma formação satisfatória. Para alguns, esses processos ocorrerá de maneira tranqüila e segura. Para outros, porém, - e não são poucos-, diversos obstáculos podem surgir, impedindo ou limitando a aprendizagem da linguagem escrita. Entre os vários problemas possíveis se encontra a dislexia.
Aparentemente normal
  A dislexia é um distúrbio específico de aprendizagem que se caracteriza por uma dificuldade significativa para a leitura, escrita e soletração. O desempenho dessas habilidades está defasado em relação ao esperado, considerando-se a idade e o nível de escolaridade da criança. Muitos especialistas se referem a ela como “Distúrbios Específicos de Leitura e Escrita”.
  Essa dificuldade não é causada por deficiências sensoriais (visuais ou auditivas), por problemas emocionais primários, lesões neurológicas, deficiência mental, métodos deficientes de alfabetização, falta de oportunidades de aprendizagem ou condições socioeconômicas desfavoráveis. Assim, se uma criança apresentar qualquer um desses problemas, isoladamente ou em conjunto, não poderá ser considerada disléxica típica.
  De forma prática, imagine uma criança cujo desenvolvimento pré-escolar caminha satisfatoriamente em termos de linguagem oral e aprendizagem. Embora nenhuma dificuldade maior tenha chamado atenção, problemas surgem no momento da alfabetização, podendo até mesmo persistir após essa fase inicial. Ou seja, apesar de inteligentes, das oportunidades de aprendizagem, da freqüência  a uma boa escola, da ausência de problemas emocionais ou familiares, da existência de condição econômica e social favorável, de estar até mesmo motivada, a criança  não consegue ler e escrever adequadamente. A princípio, esse é o perfil de uma criança candidata ao diagnóstico de dislexia de desenvolvimento.
Consciência fonológica
A dislexia é concebida como o resultado das diferenças na organização ou funcionamento neurológico envolvido no processo de leitura e escrita. Esse distúrbio apresenta um componente genético, e tende a ocorrer em vários membros de uma mesma família. São relativamente freqüentes situações nas quais os pais ou outros parentes relatam terem tido dificuldades semelhantes àquelas observadas na criança. As alterações encontradas nos mais jovens podem persistir até a vida adulta, com graus variados de complicação.
  Pesquisas atuais apontam um déficit em uma habilidade denominada “consciência fonológica”, isto é, a capacidade para compreender e analisar os sons que compõem as palavras, como uma das principais limitações envolvidas na dislexia.
Trigo e joio
  Por se caracterizar como uma dificuldade específica para a leitura e a escrita, a manifestação mais direta da dislexia ocorre no processo de aprendizagem, quando tem início a alfabetização. Embora, para muitas crianças, alguns tropeços sejam comuns nessa ocasião, os problemas para os disléxicos tendem a perdurar limitando seu aprendizado.
  Fala hesitante, com trocas de letras nos fonemas das palavras; escrita lenta, normalmente com muitos erros; e leitura com inversões de ordem e omissão de partes das palavras, são algumas das dificuldades encontradas pelos disléxicos.
 Infelizmente não há estatística a respeito da incidência da dislexia, tampouco critérios precisos e bem definidos para seu diagnóstico. Vivemos um momento na Educação brasileira cujo fracasso escolar é muito alto. Grande parte das crianças não está aprendendo a ler e a escrever, ou, quando consegue, o aprendizado é precário.
  Em sua grande maioria, porém, essas crianças não apresentam problemas de aprendizagem. A razão do fracasso está muito mais centrada em questões de oportunidades, de condições socioeconômicas e de qualidades de ensino. Estima-se que entre 10% a 15% das crianças aprendem problemas de aprendizagem reais, como deficiências mental, síndrome de Down, autismo, deficiências motoras, e outros distúrbios de aprendizagem, entre eles, a dislexia.
Diagnóstico
Não é da competência do professor fazer diagnóstico ou rotular os alunos como disléxicos. As conseqüências tendem a ser desastrosas. Quando há suspeita de alguma dificuldade, os educadores devem encaminhar o aluno para profissionais especializados. O diagnóstico da dislexia envolve conhecimento de várias áreas. O ideal é contar com uma avaliação multidisciplinar. O tratamento, em geral, é realizado por especialistas  dessas áreas, e é indispensável uma formação específica para esse atendimento.
  Dificilmente um problema qualquer se apresenta de modo ‘puro’; é comum sua associação a outras dificuldades. O disléxico  não foge à regra e pode apresentar outras alterações, como déficit de atenção, hiperatividade e, muito comumente, problemas emocionai de correntes das conseqüências da não-aprendizagem: baixa auto-estima, desinteresse, comportamento arredio diante de situação acadêmica, ansiedade e frustração. A conjugação e a gravidade desses fatores podem complicar ainda mais a questão do aprendizado em si.
Família e escola
  A criança que não aprende é uma criança que sofre. Muitos adultos não conseguem enxergar tal sofrimento e angústia. A tendência é a falta de aprendizado como resultado de desinteresse, indolência e imaturidade. Essa visão incita os pais à aplicação de castigos, broncas e ameaças. Geralmente se exigem resultados e cobra-se um desempenho que naquele momento, pode não ser obtido.
  Esse não é o melhor caminho. Crianças com problemas de aprendizagem necessitam de ajuda, compreensão e parceria, o que envolve a ação da família e dos professores. Adequação e ajuste devem ser feitos pela escola a fim de que a criança utilize seu potencial para aprender, ainda que de modo pouco convencional. Bons resultados têm sido colhidos assim.
  A superação das dificuldades acarretadas pela dislexia dependerá da gravidade do problema, de tratamento especializado, de adequação escolar ao perfil de aprendizagem da criança e do apoio familiar. Melhoras sempre são possíveis quando condições favoráveis são criadas.
 Jaime Luiz Zorzi  é diretor do centro de Pós-Graduação em Saúde e Educação fonoaudiólogo, especialista em Linguagem, mestre em Distúrbios da Comunicação e doutor em Educação.

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